sábado, 1 de janeiro de 2011

Distinção e relação entre memória e tradição


No post de hoje, decidi continuar a comentar assuntos sobre caminhos anteriores. Desta vez, discuto a distinção e relação entre memória e tradição

Pode parecer óbvio estabelecer a relação entre memória e tradição, na medida em que ambas funcionam no movimento de manutenção de um "espírito" passado.

Todavia, existem detalhes no funcionamento delas que podem acabar confundindo, desviando ou, mesmo, impedindo uma clareza na sua relação. Por exemplo, em que medida, afinal, a memória mantém e sustenta a tradição, e em que medida ela forja, constrói uma tradição? Mas, então, a tradição continua sendo tradição nessas condições? O que determina e legitima uma certa tradição?

A tradição oral talvez seja o melhor espaço para se pensar essa relação. Aí, a tradição se estabelece pela ação direta da memória; esta se configura como um fio que se enreda como uma malha de referências, que é a tradição.

O poeta da oralidade é a personificação da memória de uma comunidade, sua encarnação; no seu corpo e na sua voz se materializam marcas da memória e emblemas da tradição. A tradição oral se somatiza no poeta ao ponto de a sua figura privada carecer de identidade em prol de sua figura pública.

É na performance que a transmissão da memória ocorre. Ela é capturada pelos ouvidos e pelos olhos, sensitivamente, no corpo a corpo que tensiona o espaço entre. Memória coletiva e coletivizada. Na performance, não há memória individual, não há individualidade, o sujeito se dissolve na ritualização com o poeta e com o contador, entrelaçando seu imaginário pessoal com o imaginário da comunidade.

Assim como também faz o poeta. Ele, na sua re-criação da memória coletiva, estabelece vínculos desta com o ambiente, o espaço no qual o lúdico da transmissão se instala. Sua memória é a memória coletiva, das várias coletividades por onde passou.

Desterritorializado, o poeta oral também se caracteriza como nômade das diversas falas que flagra e forja. Ele é somente o corpo, o meio, a máquina que re-produz falas de outrora e de alhures. O poeta oral viaja re-colhendo saberes oralizados em canções, poemas e contos e os re-passa adiante, navegante de sons, ritmos, palavras e idéias.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Reinaldo, achei muito bem problematizada a questão.O poeta é você.
Valeu!
Maria Inês Marques
UFBA - FACED