sábado, 25 de dezembro de 2010

A Memória como base do conhecimento


A memória como base do conhecimento

“Um povo sem memória e sem tradição é um povo sem alma e sem passado. Não vivemos do passado, mas o cultuamos para trazer vivo na memória dos nossos descendentes aquilo que nossos ancestrais construíram”.

A memória é a capacidade de adquirir (aquisição),
armazenar (consolidação) e recuperar (evocar) informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória biológica), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial).

A memória focaliza coisas específicas, requer grande quantidade de energia mental e deteriora-se com a idade. É um processo que conecta pedaços de memória e conhecimentos a fim de gerar novas idéias, ajudando a tomar decisões diárias.

Os neurocientistas (psiquiatras, psicólogos e neurologistas) distinguem memória declarativa de memória não-declarativa. A memória declarativa, grosso modo, armazena o saber que algo se deu, e a memória não-declarativa o como isto se deu.

A memória declarativa, como o nome sugere, é aquela que pode ser declarada (fatos, nomes, acontecimentos, etc.) e é mais facilmente adquirida, mas também mais rapidamente esquecida. Para abranger os outros animais (que não falam e logo não declaram, mas obviamente lembram), essa memória também é chamada explícita. Memórias explicitas chegam ao nível consciente. Esse sistema de memória está associado com estruturas no lobo temporal medial (ex: hipocampo, amígdala).

Psicólogos distinguem dois tipos de memória declarativa, a memória episódica e a memória semântica. São instâncias da memória episódica as lembranças de acontecimentos específicos. São instâncias da memória semântica as lembranças de aspectos gerais.

Já a memória não-declarativa, também chamada de implícita ou procedural, inclui procedimentos motores (como andar de bicicleta, desenhar com precisão ou quando nos distraímos e vamos no "piloto automático" quando dirigimos). Essa memória depende dos gânglios basais (incluindo o corpo estriado) e não atinge o nível de consciência. Ela em geral requer mais tempo para ser adquirida, mas é bastante duradoura.

Memória, segundo diversos estudiosos, é a base do conhecimento. Como tal, deve ser trabalhada e estimulada. É através dela que damos significado ao cotidiano e acumulamos experiências para utilizar durante a vida.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Características multidisciplinares da narrativa

"a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades, começa com a própria história da humanidade. (...) é fruto do gênio do narrador ou possui em comum com outras narrativas uma estrutura acessível à análise".

Narrativa existe desde o tempo em que as primeiras pinturas da idade das pedras foram feitas em cavernas e as primeiras histórias foram contadas ao redor do fogo. Na vida cotidiana uma pessoa é cercada por narrativas desde o momento em que torna-se capaz de compreender a fala. Uma pessoa pode aprender sobre o passado, eventos atuais e futuro a partir de contos, piadas, novelas, filmes, desenhos, jornais, telejornais, obituários de outras pessoas e entre outros. Seja a narrativa simples ou complexa, os indivíduos precisam ser capazes de entender suas funções para compreender o mundo circundante.

Narrativas, do latim narre ‘dar a conhecer, transmitir informações’, fornecem aos indivíduos uma ferramenta para aprender e ensinar uns aos outros sobre o mundo. A tradição oral de contar histórias que se transformou em nossos modos contemporâneos de narrativa tem sido reconhecida como a base da transferência de conhecimento no seio das sociedades (Campbell, 1949). Narrativas também são usadas por pesquisadores como uma metalinguagem que os permite descrever seus estudos e aproximar-se do objeto de estudo como um discurso narrativo.

O conceito da narrativa pode ser encontrado em inúmeros trabalhos produzidos por investigadores na área das humanidades e ciências sociais, seja ela o foco principal do trabalho ou apenas um dos elemento estudados. Como a narrativa é estudada a partir de uma variedade de perspectivas, suas abordagens podem variar significativamente. Ela pode ser abordada como um método para produzir, como uma teoria para investigar, como uma prática social, política ou estratégica.

Na maioria dos casos, no entanto, existem duas teorias principais através das quais as narrativas são analisadas: as teorias funcionalistas (focada na função da narrativa); e as teorias estruturalistas (focada na forma como a narrativa é produzida) (Threadgold, 2005, 262-267).

Paul Ricoeur e Peter Brooks apresentam uma abordagem existencial a narrativa como um fenômeno que dá significado a vida das pessoas. A abordagem cognitiva apresentada por Mark Turner e Jerome Bruner lida com a narrativa como instrumentos elementar do pensamento humano, de cognição. Os esteticistas (aestheticians), como Philip Sturgess, cuja obra Narrativity : Theory and Practice publicada em 1992 pode ser utilizada como principal exemplo, integra narratividade, ficcionalidade, e literariedade como aspectos indissociáveis.
Sociólogos focam-se no contexto no qual a narrativa é criada. Abordagens técnicas preferem análises narrativas baseadas na linguagem e incluem narratologias estruturalistas e análises lingüistas e do discurso (por exemplo em trabalho por Barbara Herrnstein Smith, ou Dan Ben-Amos). A narrativa é ainda caracterizada como um conceito, categoria analítica, tipo de discurso, tipo de texto, e macro-gênero (Ryan, 2004, p. 2-8). Com tantas variedades de contextos e abordagens a narratologia expande-se em um campo muito complexo.

Devido o significativo aumento de interesse sob os variados aspectos da narrativa, a narrativa deixou de ser um domínio exclusivo dos estudos literários, de forma que sua teorização carrega, desde seu início, características multidisciplinares. Dessa maneira, a teoria da narrativa ou narratologia é mais do que nunca aberta a diversas metodologias de diferentes áreas: filosofia, história, sociologia, psicologia, religião, etnografia, lingüística, comunicação e estudos de mídia.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Narrativa e narração


“O narrador conta o que ele extraí da experiência – sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem sua história”
Walter Benjamin
Dominando a palavra o homem tentou perpetuar seus mitos, sua visão mágica do mundo, suas conquistas, sua história. Nas narrativas, nas lendas, nas epopéias e canções, alegorizou seus ritos, temores e feitos, Seus registros venceram o tempo nos traçados de múltiplos códigos, como a escrita cuneiforme, os hieróglifos e a arte primitiva.

Assim, as pinturas rupestres da caverna de Altamira, as escrituras sagradas dos Vedas, as epopéias gregas, as cantigas provençais, os contos de fadas contam cada qual a fantasia, a mitologia,a história de seu povo. No texto oral ou escrito, ouvir e ler histórias é uma atividade antropológico-social que distingue culturalmente o homem.

Desde que descobriu o poder encantatório da palavra, o ser humano deu curso ao pensamento mítico, deu permanência às crenças, às divindades, à criação do mundo, ao cosmos, envolvendo-os em alegorias. Nos séculos XVI e XVII, na literatura oral de raízes populares, predominam os contos folclóricos, os ditos e provérbios. Na segunda metade do século XVII, propaga-se a ação sistemática da Igreja para cristianizar a cultura popular, mas o patrimônio imaginário dos contos, sobretudo os de fadas, resiste à luta de forças da Contra Reforma que domina o cenário religioso e escolar daquele século.

Com a evolução da História, a interpretação dos acontecimentos foi-se distanciando das alegorias, da imaginação; entre o mito e as formas derivadas da narrativa (o romance, a novela, o conto, a crônica), os heróis divinos torna-se personagens humanas. Os fator históricos de épocas primordiais cedem lugar aos episódios cotidianos contemporâneo. Hoje, afirma Nelly Novaes Coellho (O conto de fadas), “uma das características mais significativas do nosso século é a coexistência, pacífica ou não, entre inteligência racional/cientificista, altamente desenvolvida, e o pensamento mágico que dinamiza o imaginário”.

Nas narrativas orais, nas fábulas, nos contos de fadas ou nos romances contemporâneos, é a imaginação que faz com que apreciemos os encantamentos de Branca de Neve como apreciamos o fascínio de Cem anos de solidão.

Foi pensando no imaginário, na magia e na fantasia que foram selecionados os textos narrativos desta coletânea. Histórias que, sem deixar à margem o padrão culto da língua, encantam pela simplicidade, pelo humor, pela sátira, pela inovação, pela singularidade, enfim pelo aproveitamento exemplar das virtualidades da língua.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Narrativa oral


Sem narrativa oral, experiência de vida diminui

Marcada pelo pensamento de Karl Marx, a obra do filósofo alemão
Walter Benjamin (1892-1940) tem sido revisitada. Essa retomada evidencia contribuições importantes da filosofia do século passado à interpretação de questões sociais contemporâneas.
Destacaremos o que Benjamin chama de experiência - quando os seres humanos tomam posse de sua própria história.
Livro impresso
A base das mudanças na estrutura da experiência, para Benjamin, é o divórcio entre o sujeito e sua obra. Contribuem para isso diversos aspectos. Entre eles está desaparecimento da narrativa oral.
É um processo que vem de longe e que acompanha a evolução secular das forças produtivas. A invenção da imprensa favoreceu a difusão do romance e o declínio da tradição oral. Depois, ao colaborar na consolidação da burguesia e instituir uma nova forma de comunicação - a informação - provocou a crise do próprio romance impresso.
Trabalho artesanal
Outro aspecto determinante no processo de privar as pessoas da experiência é a falta de distensão psíquica que se vivencia em função do declínio do trabalho artesanal.
Ninguém mais tece ou fia enquanto ouve uma história. O trabalho industrial inaugurou o estado de atenção. E compõe com a rapidez e a objetividade da notícia um quadro caracterizado pela crescente disponibilidade da memória voluntária.
Marx e Benjamin
O percurso que Benjamin traça para caracterizar o divórcio entre o homem e seu trabalho incorpora elementos da obra de Marx. Mas se diferencia dela quando não vê na evolução do progresso técnico a promessa da libertação.
O que o filósofo observa é um aprisionamento marcado pela vivência do choque, pela redução da imaginação e pela temporalidade do progresso. É a existência de um tempo infernal em que nunca é permitido concluir o que foi começado.
Referências simbólicas
O propósito da imprensa, para Benjamin, é transmitir informações de forma plausível, fatos passíveis de verificação imediata e acompanhados de explicações. A linguagem informativa é marcada pelo ritmo do trabalho mecanizado, pela busca do incessantemente novo.
A notícia se torna obsoleta da noite para o dia. No fim da tarde as folhas de jornal não têm valor algum. O mesmo processo que impossibilita o trabalho artesanal na modernidade, também configura uma nova forma de comunicação e uma nova maneira de o indivíduo homem se relacionar com ela.
A informação não tem a mesma amplitude que o episódio narrado. Este pode ser interpretado e necessita da construção de referências simbólicas para que se incorpore à vida do narrador.
Vida e palavra
Para que a experiência tivesse condições de realização seria preciso existir uma comunidade de vida e de discurso que o rápido desenvolvimento da técnica na sociedade capitalista vem destruindo.
Desapareceu a comunidade entre vida e palavra, própria da atividade artesanal. Esta pratica a narrativa tradicional, quando aquele que conta transmite um saber que seus ouvintes receberão como seu.
Com o declínio de um trabalho e de um tempo partilhados num mesmo universo de prática e linguagem, as inquietações de nossa vida interior adquirem um caráter privado. A memória é invadida pelo tempo da morte da singularidade e pela quase impossibilidade de fazer parte de uma comunidade simbólica.

*Celina Fernandes Gonçalves Bruniera é mestre em sociologia da educação pela Universidade de São Paulo e assessora educacional.