segunda-feira, 1 de dezembro de 2008



APRENDENDO A SER BRASILEIRO COM A MÚSICA DE LUIZ GONZAGA

O Brasil celebrou no dia 2 de agosto ultimo passado os dezenove anos da morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o rei do baião. Lua, como também era conhecido, foi essencialmente um telúrico. Ele soube, como ninguém, cantar o Nordeste e seus problemas. Pernambucano, nordestino ou simplesmente brasileiro, Luiz Gonzaga encantou o Brasil com sua música, tornando-se um daqueles que melhor souberam interpretar sua alma.

Nascido em Exu, no Alto Sertão de Pernambuco, na Chapada do Araripe, ele ganhou o Brasil e o mundo, mas nunca se esqueceu de sua origem. Sua música, precursora da Música Popular Brasileira, é algo que embora não possa ser classificada como "de protesto", ou engajada, é, contudo, politicamente comprometida com a busca de solução para a questão regional nordestina, com o desafio de um desenvolvimento nacional mais homogêneo, mais orgânico e menos injusto, portanto.

Telúrico sem ser provinciano, Gonzaga sabia manter-se preso às circunstâncias regionais sem perder de vista o universal. Sua sensibilidade para com os problemas sociais, sobretudo nas músicas em parceria com Zé Dantas era evidente: prenhe de inconformismo, denúncia do abandono a que ainda hoje está sujeita pelo menos um terço da população brasileira, mormente a que vive no chamado semi-árido.

Não estaria exagerando se dissesse que Gonzaga, embora não tivesse exercido atividade política ou partidária, foi um político na acepção ampla do termo. Política, bem o sabemos, é a realização de objetivos coletivos e não se efetua apenas por meio do exercício de cargos públicos, que ele nunca teve. Política é sobretudo ação a serviço da comunidade. Como afirma Alceu Amoroso Lima, é saber, virtude e arte do bem comum.

Além de nunca ter omitido suas opiniões, Gonzaga também nunca se esquivou de participar ativamente quando necessário. Em um momento particularmente difícil vivido por sua terra, Exu, e tendo em vista as muitas mortes decorrentes da rivalidade das famílias Alencar e Sampaio, ele ergueu corajosamente sua voz.

Outro aspecto político da presença de Luiz Gonzaga foi ao resgate da música popular brasileira. A vigor de suas toadas e cantorias tonificou a nossa música, retirando-a do empobrecimento cultural em que se encontrava. Sua música teve um viés nacionalista, ou melhor brasileiríssimo, que impediu que lavrasse um processo de perda de nossa identidade cultural. Não foi uma música apenas nordestina, mas genuinamente nacional, posto que de defesa de nossas tradições e evocação de nossos valores.

Luiz Gonzaga interpretou o sofrimento e também as poucas alegrias de sua gente em quase duzentas canções, em ritmos até então desconhecidos, como o baião, o forró, o xaxado, as marchinhas juninas e tantos outros. Mas foi através de "Asa Branca" que "Lua" elevou à condição de epopéia a questão nordestina. Certa feita, Gilberto Freyre afirmou que o frevo "Vassourinhas" era nossa Marselhesa. Poderíamos dizer, parafraseando Gilberto Freyre, que "Asa Branca" é o hino do Nordeste; o Nordeste na sua visão mais significativamente dramática, o Nordeste na aguda crise da seca.

Gilberto Amado disse a propósito da morte de sua mãe: "Apagou-se aquela luz no meio de todos nós". Para o Nordeste, e tenho certeza para todo o País, a morte de Luiz Gonzaga foi o apagar de um grande clarão. Mas com seu desaparecimento não cessou de florescer a mensagem que deixou, por meio da poesia, da música e da divulgação da cultura do Nordeste.

Em sua obra ele está vivo e vive no sertão, no pampa, na cidade grande, na boca do povo, no gemer da sanfona, no coração e na alma da gente brasileira, pois como disse Fernando Pessoa, "quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente."

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