sábado, 4 de dezembro de 2010

Narrativa oral


Sem narrativa oral, experiência de vida diminui

Marcada pelo pensamento de Karl Marx, a obra do filósofo alemão
Walter Benjamin (1892-1940) tem sido revisitada. Essa retomada evidencia contribuições importantes da filosofia do século passado à interpretação de questões sociais contemporâneas.
Destacaremos o que Benjamin chama de experiência - quando os seres humanos tomam posse de sua própria história.
Livro impresso
A base das mudanças na estrutura da experiência, para Benjamin, é o divórcio entre o sujeito e sua obra. Contribuem para isso diversos aspectos. Entre eles está desaparecimento da narrativa oral.
É um processo que vem de longe e que acompanha a evolução secular das forças produtivas. A invenção da imprensa favoreceu a difusão do romance e o declínio da tradição oral. Depois, ao colaborar na consolidação da burguesia e instituir uma nova forma de comunicação - a informação - provocou a crise do próprio romance impresso.
Trabalho artesanal
Outro aspecto determinante no processo de privar as pessoas da experiência é a falta de distensão psíquica que se vivencia em função do declínio do trabalho artesanal.
Ninguém mais tece ou fia enquanto ouve uma história. O trabalho industrial inaugurou o estado de atenção. E compõe com a rapidez e a objetividade da notícia um quadro caracterizado pela crescente disponibilidade da memória voluntária.
Marx e Benjamin
O percurso que Benjamin traça para caracterizar o divórcio entre o homem e seu trabalho incorpora elementos da obra de Marx. Mas se diferencia dela quando não vê na evolução do progresso técnico a promessa da libertação.
O que o filósofo observa é um aprisionamento marcado pela vivência do choque, pela redução da imaginação e pela temporalidade do progresso. É a existência de um tempo infernal em que nunca é permitido concluir o que foi começado.
Referências simbólicas
O propósito da imprensa, para Benjamin, é transmitir informações de forma plausível, fatos passíveis de verificação imediata e acompanhados de explicações. A linguagem informativa é marcada pelo ritmo do trabalho mecanizado, pela busca do incessantemente novo.
A notícia se torna obsoleta da noite para o dia. No fim da tarde as folhas de jornal não têm valor algum. O mesmo processo que impossibilita o trabalho artesanal na modernidade, também configura uma nova forma de comunicação e uma nova maneira de o indivíduo homem se relacionar com ela.
A informação não tem a mesma amplitude que o episódio narrado. Este pode ser interpretado e necessita da construção de referências simbólicas para que se incorpore à vida do narrador.
Vida e palavra
Para que a experiência tivesse condições de realização seria preciso existir uma comunidade de vida e de discurso que o rápido desenvolvimento da técnica na sociedade capitalista vem destruindo.
Desapareceu a comunidade entre vida e palavra, própria da atividade artesanal. Esta pratica a narrativa tradicional, quando aquele que conta transmite um saber que seus ouvintes receberão como seu.
Com o declínio de um trabalho e de um tempo partilhados num mesmo universo de prática e linguagem, as inquietações de nossa vida interior adquirem um caráter privado. A memória é invadida pelo tempo da morte da singularidade e pela quase impossibilidade de fazer parte de uma comunidade simbólica.

*Celina Fernandes Gonçalves Bruniera é mestre em sociologia da educação pela Universidade de São Paulo e assessora educacional.

Um comentário:

Kris com K disse...

sociologia... educação...leitura...literatura são alicerces para a formação de cidadãos mais conscientes e "antenados"... bjos