sábado, 10 de setembro de 2011

Características gerais do que é Ideologia



Características gerais do que é Ideologia

“Qual a ideologia que está por trás disso?” – eis aí uma pergunta estranha, mas que várias pessoas formulam, descuidadamente. Não há ideologia “por trás”. Caso exista algo “por trás” de um texto ou de  um vídeo ou de uma peça de teatro ou de uma bula de remédio ou de uma legislação, pode acreditar, você não está diante da ideologia.  Por uma razão simples: ideologia é algo que não vem “por trás”, ideologia é o que vem em primeiro plano, é o que está “na frente”.

Quando notamos movimentos sociais e de grupos, institucionais ou não, aprendemos rapidamente isso: a ideologia e a propaganda são parentes não distantes, e a semelhança familiar é justamente esta: ambas querem aparecer.

Um conjunto de caravelas espanholas ataca as caravelas inglesas. Eis aí o tempo de Elizabeth. O que carregam os espanhóis junto de suas velas, ou em bandeiras ou como figura estampada nas próprias velas? O Cristo na Cruz. É o desenho do Cristo o que está “por trás”? De modo algum, a gravura, que é sem dúvida, no caso, o símbolo ideológico, vai à frente. Não se esconde. Mostra-se. Tem de se mostrar.

Vejamos agora um documento educacional, uma peça de legislação. Vamos às reformas educacionais de Getúlio Vargas. Ali, claramente, o ensino médio aparece como voltado para a criação de “elites condutoras” – esta é a frase usada à risca, na letra da lei. Ora, a ideologia conservadora, que diz que o povo precisa ser conduzido por grupos da “elite”, está escondida? Está “por trás”? De modo algum. Está explícita e bem acomodada nas primeiras linhas. Está na frente.

A primeira característica de um conjunto de idéias que se pode chamar de ideologia é a de vir antes que qualquer outra coisa. Ela pertence ao que se quer mostrar e, de preferência, em primeiro plano. Ora, mas há outras duas características da ideologia.

A segunda característica é a busca de universalidade a qualquer preço. Um conjunto de idéias que é bem particular, que não tem grande força lógica para se tornar universal e, no entanto, busca se tornar universal e quer ser uma verdade independente de todos e uma verdade para todos, já está funcionando como ideologia. É próprio de um conjunto de idéias que se quer transformar em ideologia procurar se colocar de modo abstrato, para ganhar universalidade.

“O amor é a única lei” é uma idéia cristã, contra a idéia pagã da “lei do olho por olho e dente por dente”. Todavia, quando já ninguém sabe o que é que se quer dizer por amor, dado sua transformação em palavra abstrata, então a frase pode ser endossada por todos. Todo mundo diz que a coisa mais importante do mundo é “ter amor”. Assim, o próprio cristianismo, se está ligado a isso, se comporta como ideologia.

A terceira característica da ideologia é que ela quer antes mostrar a verdade “que se tem de seguir” do que um conjunto de enunciados que, possa levar à reflexão a respeito de outros conjuntos de enunciados e assim por diante. Ela, a ideologia, aceita pouco aquilo que Robert Brandom, louvado por Rorty, chamou de “o jogo de dar e pedir razões”. Nesse sentido, é próprio da ideologia o engodo, a ilusão ou o erro.

Nesse caso, não falamos de erro psicológico (da percepção ou do raciocínio). Trata-se de engano, certamente, mas como uma feição bem especial, a saber, nem sempre a ilusão ideológica se desfaz uma vez que seu mecanismo de engodo é revelado. Trata-se aqui do contrário do erro percetivo ou de um raciocínio equivocado, que pode ser corrigido, e geralmente o é, quando vemos que em que lugar a frase endossada está dando problemas O engodo ideológico permanece, mesmo quando denunciado. A realidade que vemos ideologicamente não muda, mesmo que o que tomamos por realidade esteja, então, denunciado como produto ideológico.

Por exemplo, se alguém olha para a realidade de negros e brancos, em um país fortemente racista, em que há discriminação contra os negros, e vê os negros como inferiores, o fato de se denunciar que isso não é nada senão uma visão ideológica, não extirpa dos “olhos” de quem assim vê tal realidade. Ele não vê algo novo. Ele não pensa de modo novo. A denúncia não altera a compreensão (imediata) como alteraria a compreensão de alguém que é denunciado ter cometido um erro lógico, como o de manter duas sentenças contraditórias ao mesmo tempo e no mesmo lugar. A denúncia não altera a compreensão (imediata) como mudaria a compreensão de alguém que vê um cachorro e, ao chegar mais perto, percebe que errou, que o que estava  ali era um gato.

Nenhum comentário: