sábado, 29 de janeiro de 2011

Memória coletiva


Eu lembro, nós lembramos...

Dentre os vários estudos sobre a memória, os de Maurice Halbwachs contribuíram muito para a compreensão da memória e suas relações com o contexto social. Para ele, o lembrar se dá sempre no social. Mesmo a memória aparentemente mais particular, a nossa experiência vivida, está ligada à memória de um grupo. Cada um de nós carrega as suas lembranças, mas não estamos sós neste lembrar; ao contrário, estamos o tempo todo interagindo com a sociedade, seus grupos e instituições.

A nossa memória está impregnada das memórias dos que nos cercam. Não é preciso que eles estejam presentes, a nossa memória e as maneiras como percebemos o mundo se constituem a partir desse emaranhado de experiências, tão diversas quanto os diferentes grupos com que nos relacionamos.

Sentimos como se a nossa memória fosse só nossa, uma unidade, embora nossas lembranças se alimentem das diversas memórias oferecidas pelo grupo, a que o autor denomina “comunidade afetiva”. Dificilmente nos lembramos fora deste quadro de referências. Tanto nos processos de produção da memória como na rememoração, o outro tem papel fundamental.

Esta memória coletiva tem a importante função de contribuir para o sentimento de pertinência a um grupo de passado comum, que compartilha memórias. Sentimo-nos parte do grupo quando compartilhamos de suas lembranças. A identidade se constitui nesta memória compartilhada.

Poderíamos imaginar que, por se alimentar do passado, a memória seja estática. Porém, ela se modifica ao longo do tempo e se rearticula conforme a situação, as relações que se estabelecem.

A memória é história viva e vivida, e permanece no tempo renovando-se. Para lembrar e para esquecer também estão em jogo elementos inconscientes como o afeto, a censura, entre outros. A memória não é uma simples gravação. Relaciona-se às emoções, às outras experiências vividas, aos valores e experiências dos grupos. Lembrar também se relaciona com o coletivo. Dificilmente lembranças emergem fora das relações com os grupos e o interesse pela experiência do outro.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Memória e Sociedade


“A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, interfere no processo atual das representações. Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, “desloca” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência; A memória aparece como força subjetiva ao mesmo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora.”

Segundo esse argumento, a cada nova história a qual somos apresentados vivemos a sensação do desconhecido. Só podemos dizer que algo é “novo” por sabermos que não pertence a nenhum material retido na memória do sujeito em forma de lembrança. Além disso, nós temos materiais de lembrança latentes. São objetos ou fatos que só são lembrados de forma consciente quando induzidos por fatores externos ou por um esforço interno. “Na realidade não há percepção que não esteja impregnada de lembranças” (BERGSON 1959 apud BOSI, pp.45)

A memória serve de modelo para que um determinado comportamento seja avaliado como certo ou errado, permitindo que pela repetição de um ato, seja possível ficar cada vez melhor e mais treinado. Quanto mais se treina um comportamento, por exemplo, nas atividades esportivas, mais as habilidades individuais vão se aperfeiçoando.

A idéia do treino é exercitar a memória do ato para que chegue a cada treino mais perto da perfeição ou de um ideal pré-desejado. Para Bergson, existiriam duas memórias:

Memória-hábito – esforço da atenção e repetição – (Ex: treino esportivo; ato de escovar os dentes, costumes a mesa). Lembranças isoladas, singulares, que constituiriam autênticas ressurreição do passado: momento único, singular, não repetido da vida. – (Nascimento de um filho; casamento) a memória-hábito se relaciona a todo tipo de ação cotidiana e adquirida pela repetição que fazemos quase sem perceber. São ações automáticas que aprendemos ao longo dos anos, em ações executadas quase sem pensar. Um exemplo é o ato de aprender a dirigir. No início, quando tudo é novidade, e ainda não temos esse saber adquirido, prestamos atenção a dados, que com o tempo e com o treino irão ser tornar um ato automático que depois executamos sem perceber.

Já a lembrança isolada ou singular é aquele marco social que fica como importante para o resto na vida do sujeito e do qual ele irá se referir no futuro como um acontecimento do passado. O cuidado maior de Bergson é o de entender as relações entre a conservação do passado e a sua articulação com o presente e a interseção vital existente entre o fenômeno da memória e o da percepção.
Sem as lembranças o passado não sobreviveria as gerações futuras e o conhecimento se resumiria ao ato presente. A lembrança é a sobrevivência do passado. No texto de Berson, no entanto, não há uma problematização sobre o sujeito que lembra e muito menos da relação dos sujeitos com as coisas lembradas.

Fonte:
Memória e Sociedade: lembranças de velhos
Livro de
Ecléa Bosi – São Paulo, Companhia das Letras, 2002
Livro pesquisa sobre memória cognitiva e social, que através do relato de vida pessoal contam aspectos da vida da cidade de São Paulo, incluindo fotos. Belissimo livro e trabalho, com bom arcabouço teórico. Usa como fundamentos teóricos entre muitos o embasamento de Henri Bergson e Halwbachs.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Memória e mídia


No post de hoje, continuo comentando assuntos sobre caminhos anteriores. Desta vez, relaciono memória e mídia no contexto cotidiano.
Memória: Do latim "memoria", faculdade de reter as idéias, impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente. Retemos aquilo que de alguma forma nos impressiona, nos comove ou nos agride. Ou podemos jogar a mesma matéria na "caixa preta" do nosso ser, que imperceptivelmente registra os fatos mas só os aciona se de alguma forma for ativada por uma força externa. Segundo Freud, "memória e esquecimento estão indissolúvel e mutuamente ligados; e o esquecimento é uma forma de memória escondida".

Consideremos sobre a forma na qual nos apoiamos para reter ou lembrar as impressões que vamos colhendo pelo caminho. Não é suficiente colher e guardar os fatos que vemos nos nossos cotidianos, no nosso país, na nossa história cronologicamente determinada.

É a memória vivida, reconstruída através dos nossos sentidos e dos sentidos dos que contemporaneamente nos cercam que constrói a nossa teia de conhecimento. A memória permite a relação do presente com o passado. Quanto mais pessoal, menos socializada for a memória, mais distante e de difícil acesso será a sua atualização pela consciência.

E o instrumento mais socializador da memória é a linguagem. Através da linguagem, nos identificamos dentro da sociedade em que vivemos. Usando símbolos e meios pelos quais estes símbolos são transmitidos relacionamo-nos com o outro e nos transformamos, modificando consequentemente a sociedade em que vivemos.

Maurice Halbwachs, em "Memória Coletiva", nos coloca isto de forma bem clara: "Percebemos cada meio à luz do outro. As lembranças mais difíceis de evocar são aquelas que não pertencem senão à nós". E sucessivamente, assim como em uma rede de transmissão de dados e conhecimentos, acontecimentos e depoimentos vão tomando uma forma e ocupando um lugar na nossa memória pessoal e na memória da nação.

Em um país tão grande como o nosso, o modo como se organiza nossa percepção de espaço e tempo é influenciado diretamente pela Mídia. Isto para não falarmos em globalização e mídia globalizada. Concentremo-nos em nós desta vez. Na nossa mídia nacional. Juntas, a vida vivida e a vida através da "telinha" vão recortando nossa sociedade e gerando novas gírias, costumes, valores. Um gesto circular vira sinônimo de cerveja. Ou pode ser a "Número 1". Transitamos entre o delineador de "Jade", o cabelo de Fátima Bernardes, o estilo de Marília Gabriela. Desejamos ser como Vera, sempre bela.

Quem se lembra das "Casas Pernambucanas" com o "Não adianta bater, eu não deixo você entrar?? Ou dos Porquinhos da casa da Banha dançando o "Tchá-tchá-tchá"?? Foram-se as empresas, morreram as marcas mas ficaram as lembranças na geração que viveu esta época. Leila Diniz e Elis... Quantas lembranças, quantas memórias podemos associar a elas ?

2002. Vivemos durante 62 dias a vida privada de doze pessoas através do Big Brother Brasil. A nação se comoveu, riu, reclamou, chorou, votou. Tornou os participantes íntimos de suas casas, de suas discussões no trabalho. Records de audiência foram batidos na final. Isentemo-nos das críticas por alguns momentos. Quase todos queriam saber quem seria o (a) escolhido (a) do nosso Brasil. É fato. E enquanto comentávamos ou criticávamos, fomos tecendo nossa memória. Alguns continuarão na mídia, que opera milagres diariamente. Outros cairão na parte da memória esquecida. "Faz parte". Como também faz parte da cultura do nosso país aprender através Mídia, transformar-se através dela. A mídia, hoje livre, denuncia e derruba ministros, candidatos, presidente.

Digamos que em nosso país a Mídia não mais se limita a ser apenas um meio que transmite a vida gravada ou "ao vivo e a cores'. Ela vai muito além. "Sabemos que a mídia não transporta a memória pública inocentemente; ela a condiciona na sua própria estrutura e forma", diz Andreas Huyssen em "Seduzidos pela Memória".

Portanto Mídia, seja ela qual for, nos faça comprar, desejar, rir, chorar, comentar, distrair, mas principalmente, também nos ajude a pensar. Pensar novos caminhos sociais mais equilibrados e mais justos. Seduza-nos com shampoos suaves e ofertas imperdíveis, mas mostre-nos também como podemos juntos ir transformando nossa sociedade em lugar melhor de se viver, não para tão poucos, mas para muitos mais. Ajude-nos a tecer passado e presente neste Brasil de transformações constantes, que mesmo tão grandes, estão longe de refletir o nosso tamanho.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Memória, narrativa e as história do mundo


...dando continuidade...Memória, narrativa e as histórias do mundo

No desvendamento de diferentes modalidades das sociedades humanas configurarem o controle simbólico do tempo, as ciências humanas trataram, mais recentemente, de desconstruir o tempo por intermédio de sua dimensão interpretativa.

Seja como espaço de construção de uma inteligência narrativa que encerra a experiência de duração, reino da imaginação criadora; seja como fenômeno que participa das estruturas antropológicas do imaginário e de sua topologia fantástica, nos arranjos que esta engendra entre vida e matéria.

Uma vez que se reconheça os limites da separação ontológica entre ambas as instâncias, além do paroxismo que encerram tais atos humanos de rememoração, não se trata mais, na linha de argumentação aqui apontada, de refletir sobre a memória apenas, e tão somente, sob os efeitos de imagens-vestígios.

É a força interpretativa reconhecida à memória como espaço de construção de conhecimento que desponta como fenômeno a ser aqui aprofundado, tratando-se aí de reconhecer e compreender as tradições históricas, sociais e culturais que carregam e marcam de suas configurações.

Nestes termos, os jogos da memória explicitariam uma ação inteligente singular do sujeito humano sobre o mundo nas busca de um princípio de causalidade (formal e material) que possa enquadrar, de forma inseparável, vida e matéria.

A memória compreendida como um topos espaço fantástico, lugar de extraversão e introversão de uma linguagem arbitrária de símbolos, e coordenada, no plano da imaginação criadora, por esquemas de pensamento, evocaria, portanto, os diferentes procedimentos interpretativos- narrativos

Fonte: Revista Iluminuras - Publicação Eletrônica do Banco de Imagens e Efeitos Visuais - NUPECS/LAS/PPGAS/IFCH e ILEA/UFRGS

sábado, 1 de janeiro de 2011

Distinção e relação entre memória e tradição


No post de hoje, decidi continuar a comentar assuntos sobre caminhos anteriores. Desta vez, discuto a distinção e relação entre memória e tradição

Pode parecer óbvio estabelecer a relação entre memória e tradição, na medida em que ambas funcionam no movimento de manutenção de um "espírito" passado.

Todavia, existem detalhes no funcionamento delas que podem acabar confundindo, desviando ou, mesmo, impedindo uma clareza na sua relação. Por exemplo, em que medida, afinal, a memória mantém e sustenta a tradição, e em que medida ela forja, constrói uma tradição? Mas, então, a tradição continua sendo tradição nessas condições? O que determina e legitima uma certa tradição?

A tradição oral talvez seja o melhor espaço para se pensar essa relação. Aí, a tradição se estabelece pela ação direta da memória; esta se configura como um fio que se enreda como uma malha de referências, que é a tradição.

O poeta da oralidade é a personificação da memória de uma comunidade, sua encarnação; no seu corpo e na sua voz se materializam marcas da memória e emblemas da tradição. A tradição oral se somatiza no poeta ao ponto de a sua figura privada carecer de identidade em prol de sua figura pública.

É na performance que a transmissão da memória ocorre. Ela é capturada pelos ouvidos e pelos olhos, sensitivamente, no corpo a corpo que tensiona o espaço entre. Memória coletiva e coletivizada. Na performance, não há memória individual, não há individualidade, o sujeito se dissolve na ritualização com o poeta e com o contador, entrelaçando seu imaginário pessoal com o imaginário da comunidade.

Assim como também faz o poeta. Ele, na sua re-criação da memória coletiva, estabelece vínculos desta com o ambiente, o espaço no qual o lúdico da transmissão se instala. Sua memória é a memória coletiva, das várias coletividades por onde passou.

Desterritorializado, o poeta oral também se caracteriza como nômade das diversas falas que flagra e forja. Ele é somente o corpo, o meio, a máquina que re-produz falas de outrora e de alhures. O poeta oral viaja re-colhendo saberes oralizados em canções, poemas e contos e os re-passa adiante, navegante de sons, ritmos, palavras e idéias.